Essa viagem foi feita em dois momentos e o cenário dela é o centro do Rio, lugar histórico que nos proporciona revisitar a história do país e analisar aspectos sociais da formação em tempos diferentes.
Num primeiro momento o sino do VLT me faz viajar como se eu entrasse em transe e visitasse um tempo em que não vivi num cenário típico das novelas e filmes de época. Aquele barulho do sino e as pessoas, ambulantes, com suas barracas improvisadas me fizeram reconstruir na minha memória um cenário e de certa forma vivenciá-lo, mas com um olhar crítico sob a condição de trabalho dos brasileiros. Partindo dessa viagem faço uma breve análise da condição desfavorável de vida que se construiu na história e que se perpetua com o descaso dos governantes e instauração do “jeitinho brasileiro” no qual ele se reinventa nas dificuldades sociais criadas ao longo da história por falta ou ineficiência das políticas públicas voltadas para os pobres.
Ao observar aquelas pessoas, na sua maioria negros e pardos nas ruas vendendo de tudo e fazendo a sua renda e dessa forma criando uma alternativa para o desemprego me remeti ao passado pós abolição da escravidão e comparei essa situação de trabalho alternativo com a condição de trabalho dos negros recém libertos os quais foram negados a condição digna para viver e trabalhar e de fato serem inseridos de forma verdadeira na nova sociedade que se construía. O negro se viu despido das amarras e chicotes dos castigos da escravidão, mas continuou sendo castigado pela sociedade que recusava a sua inserção mantendo com isso um sistema cruel e excludente o qual o mantinha na condição de subalterno quando não oferecia possibilidades de crescimento e reconhecimento.
Ao se ver liberto o negro se viu sem saber o que fazer com essa liberdade, a partir desse ponto que se tem o início a busca para sair da condição de subalterno imposta. A partir do improviso na busca por melhorias os negros foram às ruas, não para protestar, pois esse direito era negado e foram armar barracas com seus tabuleiros na venda de quitutes e a partir daí tem se a figura das baianas aquelas cozinheiras negras com suas mãos de “feiticeiras” as quais encantavam com os seus temperos e conhecimentos invejáveis da culinária. Acredito que seus quitutes aromavam as ruas da cidade naquela época como acontece hoje em dia.
Partindo dessa condição desfavorável em que se encontrava o negro foi criando uma situação em que buscou contornar as diferenças lançando mão dos seus conhecimentos e os tornando uma ferramenta de sobrevivência, um produto a venda como forma de superação.
Trazendo essa análise para os dias atuais de desemprego observa-se que a situação desfavorável do trabalhador persiste criando-se a informalidade, a partir da necessidade o trabalhador se reinventa e improvisa para subsistir, pois a dinâmica das políticas sociais do país se baseia no subemprego mantendo o povo a uma condição desfavorável despido de direitos e garantias sem as condições básicas e seus direitos negligenciados.
Pode se afirmar que esse movimento do trabalhador de se reinventar a partir das dificuldades impostas criou-se um traço do perfil do brasileiro que consiste em dar um jeito e contornar os problemas do dia a dia com medidas emergentes as quais demonstram um grande poder de criatividade do trabalhador, mas, por outro lado, demonstra falta de participação política no que se refere à cobrança na resolução de problemas sociais.
Visitando a história, novamente, temos a fiel ilustração dessa situação de descaso com a população com a formação das favelas no Rio em que, novamente, o negro é “ator principal”, mas sem voz e regalias. Pois sem educação, sem reconhecimento, inserção e moradia busca a sua maneira contornar a sua situação desfavorável. A partir desse movimento as favelas no Rio foram crescendo e mais tarde, ainda com a postura de descaso dos governantes com os mais pobres as favelas foram dando forma a cidade com a vinda dos nordestinos que em conjunto com os negros atuaram na construção da cidade, mas essa cidade não os abraçou de forma digna.