Os moradores da Rocinha esperam a chuva prevista para amanhã com o coração apertado. Se não bastassem os tiroteios diários, o lixo que a COMLURB não consegue coletar, os esgotos que escorrem a céu aberto pelos talvegues e becos, as doenças provocadas pela umidade que invade casas construídas nos talvegues e pela proliferação de insetos e ratazanas, a Rocinha treme diante do anúncio do próximo temporal! O que fazer diante da perspectiva de novos desabamentos, quantos mais perderão a vida? Quantos terão de abandonar suas casas e os poucos bens que acumularam em toda uma vida de trabalho?
Diante de tanta aflição, ainda de luto pela tragédia de Brumadinho e pela morte dos meninos no CT do Flamengo, os Cariocas não suportam mais nenhuma tragédia, principalmente aquelas que são anunciadas a priori. Nossa vontade é que a Prefeitura saia da costumeira imobilidade e aja de modo a minorar o drama dos moradores na Rocinha, dispondo de todos os recursos humanos e financeiros de que dispõem. Leio nos jornais que isso está sendo feito, mas não me tranquilizo. É inútil esperar que tudo se resolva como num passe de mágica e que a Prefeitura de mãos dadas com os Governos Estadual e Federal entrem na Rocinha fazendo tudo aquilo que não foi feito desde da consolidação da favela em meados do século passado, ou a partir de 1993, quando virou bairro, apenas no papel.
Infelizmente, na vida real não existe mágica capaz de reverter o abandono das favelas da cidade desde do fim do Programa Favela Bairro da Prefeitura, e do fiasco do PAC das Favelas, de responsabilidade dos Governos Estadual e Federal e do próprio governo local. Há de se retomar políticas públicas e ações que, mesmo incapazes de dar tranquilidade imediata aos moradores, poderão marcar a volta do enfrentamento dos complexos problemas que afetam a vida dos moradores de favelas que, segundo o Censo de 2010, já representavam mais de 22% da população da cidade. Refiro-me, especialmente, à retomada do Projeto Pouso com novas atribuições além da de fiscalizar e impedir o crescimento das favelas. Criado pela Prefeitura em 1996, o projeto dos Postos de Controle do Crescimento de Favelas encontra-se praticamente desativado, com poucas unidades funcionando precariamente. Com as devidas correções de rumo o projeto poderia iniciar a retomada desses territórios das mãos das milícias e traficantes, a partir do estabelecimento de uma nova aliança entre os moradores e o poder público. Além de fiscalizar e controlar o crescimento das favelas o Pouso passaria a ter uma nova e importante função, a de planejar o futuro de cada favela e da sua inserção na estrutura urbana, como um bairro de verdade e não apenas no papel, como aconteceu com a Rocinha.
A grande mudança não seria da introdução da nova função e sim da maneira com que o Pouso passaria a exerce-la, sempre com transparência e, sobretudo, com a intensa participação de dos moradores. Para os que não acreditam em participação, diante do desgaste sofrido pela palavra, usada a torto e a direito, informo que ela é possível e, mais do que isso, é a única maneira de trazer justiça social e desenvolvimento para as favelas, resgatando-as do crime organizado através de uma nova postura dos moradores e governantes.
Há dez anos atrás, a população da Rocinha participou intensamente do Plano Diretor de Desenvolvimento Sócio Espacial da Rocinha, a ponto de tê-lo como bandeira de luta nas manifestações de 2013. Tudo isso foi alcançado sem qualquer tipo de participação da Prefeitura, contando apenas com um pequeno escritório dentro da Rocinha, onde um grupo de técnicos e moradores trabalharam, durante quase dois anos, na elaboração do Plano. Imaginem onde poderíamos chegar com um POUSO renovado, que contasse com a excelência do corpo técnico da Prefeitura, com um conselho formado por moradores da favela, representantes das secretarias e empresas da Prefeitura e do Governo do Estado, com poder para acionar, com rapidez, recursos humanos e financeiros disponíveis na máquina pública.
Com o POUSO, coordenando a introdução dos serviços e equipamentos públicos nas favelas, dando voz aos moradores e estabelecendo um processo permanente de planejamento e gestão locais, o vazio de poder criado pela ausência do Estado será preenchido e, certamente, não será apenas com mais violência que a tirania de milicianos e traficantes deixará de oprimir a população favelada. Sei que a renovação dos POUSOS não será capaz, por si só, de resolver esse e os demais problemas que afetam a população favelada, mas, certamente será um ponto de inflexão no enfrentamento dos gigantescos passivos sociais e econômicos que tanto ameaçam a própria sobrevivência de todos os que vivem nas favelas da cidade.