Às vésperas das eleições de 2018, o Rio se vê mergulhado em uma grave crise ética, com diversos de seus atuais e antigos representantes tendo que prestar contas à Justiça. Diante de um cenário de forte descrença política, especialistas reforçam a importância da informação correta para o voto consciente e vão além: para fazer a diferença, é preciso estar atento não apenas no momento de escolher o candidato, mas na hora de cobrar promesss dos eleitos. Nessa dinâmica, a tecnologia emerge como grande aliada do cidadão, principalmente para evitar o perigo das fake news (notícias falsas) e buscar fontes confiáveis.
Cientista político e professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj), Fernando Guarnieri classifica o atual momento da cidade como grave e preocupante. Ainda que considere difícil antecipar como isso vai se refletir nas próximas eleições, ele vê duas possibilidades:
— Ou o cidadão desiste de participar, o que se reflete no aumento dos votos brancos, nulos e ausências nas urnas. Ou, ainda, há a busca por uma via de mudança, o que gera a emergência de figuras de fora do cenário político. Já podemos ver indícios dessas tendências acontecendo.
De fato, nas eleições municipais de 2016, a capital do Rio registrou uma taxa recorde de abstenção, somada a votos brancos e nulos: 41,5%, o equivalente a 2,034 milhões de eleitores. O número é superior ao que elegeu o atual prefeito Marcelo Crivella, que teve 1,7 milhão de votos.
Pesquisa nacional divulgada em outubro pela Fundação Getulio Vargas (FGV) apontou um índice de apenas 7% de confiança dos brasileiros nos partidos políticos, acima apenas do governo federal, que ficou em último lugar, com 6%.
Para Guarnieri, o momento é de investir na educação política do cidadão.
— Ainda falta muita educação política. Informação é peça-chave nessa dinâmica. Quando o eleitor não tem isso, ele decide o voto com base em muletas, como as propagandas. Isso não é bom — afirma.
De olho nessa questão, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro vem organizando programas voltados a estudantes, como o “TRE vai à escola” e o “Eleitor do futuro”, em que juízes e servidores ministram palestras sobre atribuições da Justiça Eleitoral, o significado e as consequências do voto.
VÍDEO: JOVENS DEBATEM SOBRE 1º VOTO:
Coordenador-geral de mobilizações da ONG Meu Rio, João Senise reforça que a saída para a crise passa não pela apatia, mas por aumento da participação do cidadão.
— Há duas questões fundamentais que precisam avançar juntas: a reforma política e a participação do cidadão por meio da fiscalização do poder público — diz ele. — É aquela velha história: as pessoas votam a cada dois anos e depois não acompanham os eleitos. Elas precisam entender que a escolha na urna é só parte do voto consciente. Nos quatro anos seguintes, é preciso estar de olho e cobrar.
Nesse sentido, Senise ressalta o papel importante do jornalismo na divulgação de informações conifáveis e da tecnologia como aliados do eleitor. E-mail, redes sociais e WhatsApp, por exemplo, são as principais ferramentas de mobilização do Meu Rio para checar promessas de campanha e denunciar vereadores que legislam em benefício próprio.
— Tentamos engajar os participantes para que acompanhem diariamente fatos relevantes da cidade e alguns temas relativos à Região Metropolitana. Cerca de 90% da vida do cidadão é decidida no município, como educação básica, saúde, transporte, meio ambiente, luz, asfalto. As pessoas costumam ficar mais de olho na pauta nacional e acabam esquecendo de olhar para o que está sendo decidido aqui. Tentamos jogar uma luz nisso — afirma.
A Justiça Eleitoral vem apostando na utilização de ferramentas digitais para dar mais poder ao eleitor. Em 2016, a instituição criou 11 aplicativos, entre eles uma ferramenta para denunciar propagandas eleitorais irregulares.
Diretora de operações da ONG Transparência Brasil, Juliana Sakai afirma que, além de ser fonte de informação, a tecnologia digital amplia a participação cidadã:
— Nos últimos anos, temos visto surgir cada vez mais ferramentas, como aplicativos de proposição de leis e sites de fiscalização do poder público, que tentam engajar para além das urnas. O eleitor que não acredita na política partidária tem a possibilidade de participar diretamente do processo democrático por outros meios.
No entanto, a quantidade de informações que a rede proporciona pode prejudicar o julgamento dos eleitores. As chamadas fake news (notícias falsas) acabam contribuindo para a desinformação maciça e, nos EUA, tiveram influência direta na vitória do presidente Donald Trump.
— Um dos primeiros desafios do voto consciente é saber lidar com toda a oferta de informação. Em especial, estar atendo às manipulações e às chamadas fake news. É preciso superar tais desafios mantendo a mente aberta ao debate porque o voto consciente é a prática democrática de pensar a política sem preconceitos — afirma Adriana Brandão, diretora-geral do TRE-RJ.
Cofundadora da ONG Projeto Brasil, que busca dar transparência aos programas de governo de candidatos, a cientista política Izabela Corrêa também vê a desinformação das redes como um dos grandes desafios para 2018.
— Tem uma questão nas novas mídias sociais que é a ausência de filtro para as informações. Isso pode ter aspectos positivos, mas faz com que muitas mentiras acabem circulando sem controle. O eleitor precisa estar mais atento do que nunca, fazer uso de fontes confiáveis, como veículos jornalísticos sérios, e checar aquilo que recebe — recomenda.
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