
Você sabe o que é dislexia e quais são as dificuldades que as pessoas com esse distúrbio genético e neurológico passam? Foi pensando nisso que um grupo de cinco moradores da Rocinha criaram o projeto Inclusive, que tem como principal objetivo informar sobre a importância de respeitar as diferenças e promover inclusão, trazendo o teatro para ilustrar a realidade de uma pessoa disléxica.
O grupo formado por Miriam Santos, Deborah Silva, Cintia Martins e Gabriela Nascimento em parceria com o ator Lucas Valentim preparou seis esquetes para representar momentos da vida de uma pessoa que tem dislexia. As apresentações, que foram denominadas de Dislexia e Teatro em Casa, visitaram 10 residências dentro da Rocinha com essa temática e ainda acontecerá mais duas encenações. Após a esquete, acontece um debate sobre dislexia, que além de discutir o que foi apresentado, tem o intuito de mostrar as particularidades do distúrbio e onde encontrar ajuda.

Para o processo de construção das esquetes, o diretor Lucas Valentim precisou se nutrir de diversos tipos de saberes como assistir filmes, ler livros, pesquisar na internet e entrevistas. As cenas se aproximam bruscamente do real, do documental e com ares de site especifico, uma tendência da produção contemporânea, que se liga à ideia de arte ambiente.
Segundo Lucas o mais interessante foi ter conhecido a mãe e a família da integrante do grupo Miriam, que possui um irmão com Dislexia, Andreone Marcos, de 15 anos. Foi à partir dos relatos dela que Lucas criou toda a construção cênica dramatúrgica e com base neles que o trabalho com os atores foi conduzido.
̶ Conversei três vezes com a mãe da Miriam, gravando algumas das conversas. O que mais me chamou a atenção, ao ouvir o áudio das nossas conversas, foi entender que não é só a história de um menino com dislexia, é um menino com dislexia, negro e da favela da Rocinha, afirma Lucas.
A famílias de Miriam Santos passou por muitas dificuldades até encontrar uma orientação para ajudar Andreone. De acordo com ela, caso houvesse algum projeto como o dela na Rocinha teria poupado o irmão de muito sofrimento.

̶ Eu não entendia muito bem, mas a minha mãe vivia desesperada tentando ajudar meu irmão. Às vezes procurando escola, especialistas para saber o que ele tinha. Era desesperador. A família julgava negativamente, principalmente depois que ele começou a frequentar uma escola para crianças especiais. Todos falavam que meu irmão não era retardado, que não deveria estar naquela escola. Foi bem difícil naquela época e hoje, com o projeto, meus familiares que julgavam e não entendiam, entendem o que é dislexia, apoiam e veem a importância, explica Miriam.
O objetivo é mobilizar pais, familiares e educadores a olhar com atenção para crianças que possam estar nessas condições e oferecer informação, além do contato de instituições que saibam a melhor forma de se lidar com pessoas disléxicas.
A ideia é um dos projetos vencedores da Agência de Rede Para Juventude, que oferece oportunidade para os jovens de favela desenvolver projetos. A proposta surgiu devido a história do irmão de Miriam e por perceber que além de não haver instituições dentro da Rocinha que lidem com esse distúrbio, ainda julgam as dificuldades do jovem no aprendizado como sendo preguiça ou falta de interesse.
De acordo com a Associação Brasileira de Dislexia (ABD), de 10% a 15% da população mundial é disléxica. Os dados da ABD indicam que, em média, 40% dos casos diagnosticados na faixa mais crítica, entre 10 e 12 anos, são de grau severo, 40% são de grau moderado e 20% de grau leve.
A atriz e dançarina Cacau Knowles que faz parte do elenco que encena as esquetes, afirma que está sendo muito bom participar desse projeto, por ter a oportunidade de levar essa informação e arte para dentro das casas de pessoas que muitas não frequentam teatros. Ela se mostra preocupada no fato de que poucas pessoas saberem da existência desse distúrbio e também das formas de ajudar as pessoas disléxicas e suas famílias.

̶ Tudo que eu sabia é que a pessoa tinha dificuldade para aprender a ler, escrever, identificar esquerda ou direita, números etc. Mas quando eu comecei a ensaiar, entrevistar uma mãe com filho disléxico, ver o filme “Como estrelas na terra”, estudar e me aprofundar mais sobre o assunto, minha visão mudou completamente e me senti mal por saber que é algo tão sério e delicado, e mesmo assim nunca tinha ouvido falar, comenta Cacau.
Antes de finalizar essa matéria, convidamos a Rocinha a assistir a última apresentação do projeto com todas as seis esquetes, que vai acontecer no dia 25 de junho, às 15h30 no anfiteatro que fica no Portão Vermelho, Rocinha. Agora respondendo à pergunta feita no início do texto: “quais as dificuldades que uma pessoa disléxica passa?”. O que acontece é uma desordem no caminho das informações neurais, o que inibe o processo de entendimento das letras e, por sua vez, pode comprometer a escrita.
Deixamos abaixo algumas informações, retiradas de um documento produzido por duas especialistas em dislexia, Cristiane Alves Pereira dos Santos e Marcia Pavani Zilotti, que podem ajudar a detectar casos de dislexia na família. Lembre-se antes de tudo, que esse distúrbio é um jeito de ser e de se aprender, que reflete na expressão individual da mente da pessoa, muitas vezes astuta até genial, mas que aprende de maneira diferente.
PRINCIPAIS SINTOMAS:
- Desligado, desorganizado, vivência de múltiplos insucessos, autoestima bastante rebaixada.
- Dificuldades na leitura e na escrita, letra ruim, troca de letras, lentidão.
- Sua inteligência, geralmente, acima da média, enxerga e ouve bem, expressa-se com fluência oralmente, no entanto, seu desempenho escolar não combina com seu padrão geral de atuação.
- O mais frequente é os pais buscarem um psicopedagogo quando está com 10, 11 anos, iniciando a 5ª série, onde diferentes professores e sua desorganização e dificuldade na leitura e expressão escrita ficam muito evidentes.
- Demora a aprender a falar, fazer laços nos sapatos, a reconhecer as horas, a pegar a bola, a pular a corda;
- Não concentra em aulas teóricas, preferindo aulas de criatividade, como colagem, desenho, etc.
- Demonstra insegurança, confunde números de telefone, horários e datas, atrapalha-se ao pronunciar as palavras longas;
- Tem dificuldade de planejar e fazer redações.
ESTRATÉGIAS QUE AJUDAM:
- Usar forma escrita enfatizando o som e o movimento, ela precisa
FALAR-OUVIR-LER-ESCREVER
- Método fonético, montagem de manuais de alfabetização, material concreto, desenhar
- Gravador, calculadora, material cusinaire, dourado, máscara para texto, letras com textura
- Não forçar leitura em voz alta
- Avaliar na oralidade, não force a copiar do quadro, tenha sempre uma atividade para executar enquanto os demais, copiam. Ele não precisa saber tudo, priorize o essencial. Não dê sua nota em voz alta.
- Coloque sentado perto da professora e da lousa
- Acompanhar suas anotações
- Oferecer lápis de cor para diferenciar as linhas
- A Dislexia não é curada sem um tratamento apropriado, não é superada com o tempo, não pode passar despercebida.
- Pais e professores devem se esforçar para identificar a possibilidade de um diagnóstico precoce.
- Não deve ser motivo de vergonha para as crianças ou para seus pais, não significa falta de inteligência.
- Precisam ter oportunidade e tratamento adequado.
SINTOMAS QUE PODEM OCORRER:
- Disgrafia (letra feia)
- Discalculia (Dificuldade com a matemática, sobretudo para assimilar símbolos e decorar a tabuada)
- Dificuldades com a memória imediata, ou seja, a de curto prazo e na organização.
- Em seguir indicações de caminhos e em executar sequência de tarefas complexas.
- Dificuldades para compreender textos escritos.
- Dificuldade em aprender uma segunda língua.
HABILIDADES E TALENTOS QUE O DISLÉXICO PODE TER:
- Ser um ótimo amigo
- Ter ideias criativas e achar soluções originais para os problemas
- Desenhar e/ou pintar muito bem
- Ter ótimo desempenho no esporte
- Ter ótimo desempenho na música
- Demonstrar grande afinidade com a matemática
- Revelar-se bom contador de histórias
- Sobressair-se como ator ou dançarino
- Lembrar-se de detalhes