
Rocinha afogou. Se afogou em horas de medo e escuridão, medo da força que a natureza tem. As ruas viraram rios, os carros pareciam navios no meio do mar, a força do vento nos fez sentir todos impotentes.
Ajoelhada no chão para tentar conter a água que entrava em casa, fiquei pensando nas pessoas que moram em barracos de madeiras, em casas precárias ou perto de um precipício, me sentindo mais impotente ainda. Não pude fazer nada além de rezar para que o pior não acontecesse.
A noite se foi, mas a chuva deixou os seus rastros. A água baixou e os estragos subiram junto com as perdas, inclusive de vidas.
De manhã limpamos o Garagem das Letras, nosso café literário na Rua Dionéia, que estava cheio de lama. Da porta podíamos ver as pessoas passarem: passavam sem falar, olhando para o chão, não tinham forças nem para chorar.
Andei na lama até o Valão, na parte baixa da Rocinha, mas não tive a força de seguir o caminho. Rastros de esgoto e lama cobriam tudo, como uma pintura feita por um artista surrealista: entulho, lixo, lojas e casas destruídas, uma multidão de pessoas trabalhando para ajudar todos os que precisassem. Por todos os lados havia arrecadações espontâneas de material, roupa e alimentos.
Parei um segundo para refletir: o silêncio, assim como o desastre, era algo surreal. Não vi ninguém chorando, ninguém estava reclamando, mesmo estando cobertos de lama e sujeira.
O barulho da força da natureza foi forte, mas o barulho do silêncio dos moradores foi mais forte ainda e demostrou mais uma vez que o povo aquí não desiste.