Este texto é um resumo de um artigo acadêmico que foi publicado na Revista Libertas e que pode ser encontrado aqui: http://libertas.ufjf.emnuvens.com.br/libertas/issue/view/246
Na favela da Rocinha, e mais especificamente no sub-bairro do Laboriaux, observamos a organização de dois movimentos de resistência que, no contexto da luta contra políticas urbanas autoritárias, frequentemente se destacam e se combinam. A partir de investigação de campo conduzida desde 2009, abordaremos o movimento dos moradores deste local para colocar em perspectiva algumas das características que parecem singularizar o processo de resistência em curso em outras favelas cariocas, como no caso do Morro da Providência e Morro dos Prazeres.
Na década de 1970, como outras favelas cariocas, a comunidade da Rocinha se organizava para obter acesso à água encanada, saneamento básico e contra ameaças de despejo forçado. Entre este período e o início de 1980, diversas vitórias parciais foram conquistadas pelos movimentos de resistência locais, inclusive: a não remoção de parcela de seus moradores para áreas externas à Rocinha, a efetivação da primeira série de investimentos em urbanização e a mobilização de um segmento conscientizado da população que, em parte, permanece ativo.
Após estas primeiras referências aos movimentos sociais na Rocinha, passamos a tratar a realidade atual. Existe hoje uma pluralidade de formas de movimentos de resistência que ali se manifestam, dependendo dos “contextos socioeconômicos e políticos em geral e das
condições específicas” de cada favela. Entretanto, enquanto ativistas da igreja católica local desempenharam um papel importante na Rocinha nas décadas de 1970 e 1980, os movimentos atuais de resistência na Rocinha são, em grande parte, comunitários.
O Laboriaux é um sub-bairro situado no topo da Rocinha, com vista deslumbrante da zona sul até Pedra da Gávea. Sua rua principal, Maria do Carmo, se estende por aproximadamente 1 km e o sub-bairro tem cerca de 3.500 moradores. A urbanização do local pela Prefeitura foi iniciada em 1981 e o mesmo inaugurado em setembro de 1982, quando setenta e três famílias foram reassentadas em setenta e cinco casas , devido à primeira grade obra de urbanização na Rocinha: a canalização de uma vala de esgoto na área hoje chamada “Valão”, onde essas famílias viviam.
Em abril de 2010, chuvas torrenciais causaram centenas de mortes e enormes estragos no estado do Rio de janeiro. Estas chuvas efetivamente geraram inúmeros efeitos sobre as moradias do Laboriaux, além da morte de duas pessoas, e a tragédia ofereceu, principalmente à elite carioca, o pretexto ideal para iniciar uma nova época de remoções maciças em nome do risco. Observando o contexto mais amplo em que esta situação então se inseria, podemos afirmar que a iniciativa de despejar milhares de favelados da zona sul e do centro da cidade fazia, na ampla maioria dos casos, parte de um plano maior para a revitalização da cidade.
Nos dias seguintes, enquanto moradores ainda tentavam colocar suas vidas em ordem, o prefeito Eduardo Paes declarou que iria iniciar um processo imediato de remoção de todas as casas localizadas no Laboriaux, considerada, então, uma área de risco. Os moradores, muitos
deles ainda provenientes do reassentamento organizado pela própria Prefeitura em 1982, estavam chocados. Segundo Paes, do mesmo modo que ocorrera anos antes no Morro da Providência e, nesta mesma época, no Morro dos Prazeres, as situações de risco eram comprovadas por um laudo técnico realizado pela GEO-RIO. Na sequência das ações governamentais, o argumento da remoção foi despolitizado pela Prefeitura, que a apresentava, nestes casos, como uma questão simplesmente técnica, desencadeando diversos eventos, conflitos e movimentos na área. A resistência maior, então, se iniciou quando os moradores se uniram para encarar os planos de removê-los. A ameaça de ter suas vidas interrompidas e transferidas para cantos distantes da cidade politizou o Laboriaux.
Uma comissão de moradores imediatamente procurou a Pastoral das Favelas, o Conselho Popular e, em seguida, a representação legal do
NUTH (da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro), na luta para permanecerem naquela localidade. Uma pequena organização local, Mundo Real, produziu um curta-metragem sobre as violações que atingiam a população com o apoio de alunos de pós-graduação de Nova York (https://www.youtube.com/watch?v=iCh7a2uDWPs), enquanto outro grupo de moradores colaboraram com o Maurício Campos, engenheiro civil e ativista do Coletivo Técnico do NUTH na elaboração de um contra-laudo. Através de relatórios feitos em visitas ao Laboriaux, foi contestada a validade dos resultados da GEO-RIO. Como na Providência, a grande mídia tentou deslegitimar a mobilização, vinculando a mesma à manipulação do tráfico local e causando certo pânico entre os moradores sobre uma possível invasão da polícia para apoiar a Prefeitura e desmobilizar a resistência. (http://oglobo.globo.com/rio/traficantes-proibem-profissionais-de-escola-da-rocinha-de-tirar-materiais-da-unidade-3011150)
Entretanto, os moradores não recuaram e acentuaram as mobilizações, participando em diversos protestos nas ruas e na própria comunidade.
Esta rápida e firme ação popular abateu a tentativa da Prefeitura quanto à remoção total e imediata dos moradores, que passaram a organizar mutirões de limpeza, trabalhando tanto com grupos como o Movimento Preserva Laboriaux, quanto com grupos locais, como Mundo Real. O Movimento Preserva Laboriaux iniciou uma série de mutirões de limpeza na mata ao redor do Laboriaux. Estas ações servira à mesma finalidade que os mutirões dos anos 1970 e 1980, mostrando o compromisso da população com a própria comunidade, recusando as remoções e ressaltando a necessidade de investimentos e de uma urbanização participativa. Apesar desta parte da favela ter procurado e recebido apoio importante de fora, o movimento organizativo sempre teve base comunitária.
Depois de quatro cinco, os resultados positivos da luta vêm sendo, em grande parte, acumulados. Desde 2011 a Prefeitura reabriu uma escola municipal que havia sido fechada e construiu muros de contenção ao longo da metade do bairro. Em agosto de 2013, a rua principal foi pavimentada, pela primeira vez em mais de 30 anos. No contexto destas tensões, cabe ressaltar o histórico protesto ocorrido no dia 22 de junho 2013, quando cerca de 4.000 moradores da Rocinha seguiram, em marcha, até o apartamento do governador Sérgio Cabral, no Leblon. No desdobramento do impacto causado por esta manifestação e no que parece uma conquista das mais importantes, o prefeito Eduardo Paes, também sob a pressão política de diversos movimentos contrários às remoções intensificadas nas favelas cariocas, finalmente visitou a comunidade em agosto 2013 e afirmou que não mais removeria a população local, prometendo, com o apoio do governador, que mais investimentos seriam feitos.
Além disso, os moradores organizados, inspirados pelo ativista José Ricardo, conseguiram, dos governos estadual e federal a “promessa” de que o Laboriaux será incluído nas obras do PAC 2. Como desdobramento desta dinâmica, a associação de moradores também foi reativada na tentativa de livrar o Laboriaux de outras associações consideradas polêmicas e controladoras, localizadas na parte baixa da Rocinha.
Os moradores do Laboriaux são conscientes de que devem permanecer unidos porque, enquanto existem pessoas de baixa-renda permanecendo num espaço urbano cobiçado pelos interesses capitalistas, tudo é possível. Assim, ainda que a próxima ameaça de remoção não venha da Prefeitura, com respaldo da GEO-RIO, nada impede que ela se materialize nos tratores da especulação imobiliária. Portanto, os ativistas preveem que a resistência precisa incluir uma campanha educativa para informar e conscientizar os moradores sobre a pista resvaladiça da especulação imobiliária, da gentrificação (remoção branca) e acerca de maneiras viáveis para melhorar o lugar de forma a preservarem suas qualidades, história e cultura.
Minha próxima matéria aboradará a tema de gentrificação na Rocinha e outras favelas estratégicas do Rio.
Ótimo artigo. Marcos. Aguardamos o debate sobre gentrificação!
Prezado amigo Marcos Burgos.
O texto aborda de forma amiúde acontecimentos que não saem na mídia aberta, mas que servem para que tenhamos um histórico de acontecimentos desta comunidade e de sua relação com outros acontecimentos dentro da Cidade do Rio de Janeiro. Nota-se muito carinho e pesquisa árdua na elaboração deste resumo de artigo. Mostrando e comprovando que a Rocinha é um lugar de amplos estudos e que parte de sua população não sabe suas histórias e estórias, culturas e artes, encantos e desencantos. Mas, percebemos que diante deste início de trabalho, continue a escrever e a pesquisar as outras facetas e acontecimentos da Rocinha.
Neste primeiro momento, apresentado neste trabalho, notamos que a luta dos moradores pela melhoria da qualidade de vida, por saneamento básico, implementação de redes de água potável e esgotamento sanitário, energia elétrica e formas de lutar contra as ameaças de remoção são desde 1970. Percebemos com isso, que existem pessoas que lutam há 54 anos por melhorias desta comunidade e que ainda são moradores, crias ou até imigrantes que se naturalizaram-se “rocinhences” por tamanha ligação de convívio e de viver com a Rocinha. E como em qualquer jogo, temos grupos que apóiam com unhas e dentes para o bem coletivo enquanto que outros, buscam somente para o bel prazer individual.
Digo pra ti amigo e “pana”, continue neste caminhar apesar dos imprevistos, seguindo seus sonhos e concretizando-os com artigos. Faça o que te faz bem e estamos ansiosos aguardando o próximo artigo.