
“Bom dia, família!”. É assim que um vizinho interage com a família Sousa, já que parte dela está sentada na varanda que fica de frente para um dos caminhos da localidade da Rua 1, como se fosse pedir benção por quem representa sabedoria.
É isso: talvez seja essa palavra que defina o morador Pedro Leôncio de Sousa, conhecido como Pedro André, apelido que segue os homens de seu clã. Aos 87 anos, brinda a vida com os netos, os filhos, sua eterna companheira e um dos maiores motivos de orgulho: a Samuzinha – uma espécie de liteira criada pelo próprio Pedro, que no Egito e Roma Antiga era usada para transportar reis e rainhas. Ele conta os motivos que o levaram a criar o transporte que hoje facilita a chegada de pessoas doentes ou necessitados a principal via da favela, a Estrada da Gávea.
‘’Eu via as pessoas doentes passando muita dificuldade para saírem. É difícil para quem as carrega levar nos braços, uns pegam pela cabeça, outros pelas pernas. Foi aí que criei a Samuzinha’’, explica seu Pedro.
Seu trabalho já tem uma década e o que começou lá atrás como uma simples cadeira, passa a ter até novas estruturas. ‘’Não tem o SAMU ali embaixo? Aqui em cima eu tenho a Samuzinha! A última geração dela nós chamamos de ‘Uber’, porquê é estofada e confortável’’, comenta Sousa.

Seu Pedro é analfabeto, mas em seu currículo consta os cargos de presidente da associação de moradores, fiscal de obras e o título de amigo íntimo da escritora Raquel de Queiroz, a quem uma vez produziu uma cadeira em troca ganhou amizade e, veja só, queijos. ‘’Estive no velório dela, na Academia Brasileira de Letras. Os filhos na hora vieram me abraçar, e comentaram dos queijos e das jacas que trocávamos. Ela era muito boa!’’, relembra seu Pedro.
Para quem acha que o contador de histórias se vangloria pelo seu feito, se engana. “Não fiz só para mim, fiz para o povo”, diz trêmulo. As mãos cansadas e os pés inchados revelam a vida de um homem que desde os nove anos trabalhou para colocar sustento na mesa de sua família. Ele não se arrepende, comentando até que já recebeu propostas de compra por sua criação, mas nunca aceitou. ‘’As pessoas acabaram sabendo que ela não foi feita para ganhar dinheiro, foi feita para quem precisa’’ explica seu Pedro.
Quem guarda lembranças e incentiva cada vez mais a solidariedade é Dona Terezinha de Sousa, esposa e companheira de Seu Pedro há mais de 40 anos. ‘’Uma vez um rapaz chegou 23h da noite e disse ‘minha avó passou mal e precisa da Samuzinha, aquela que tem a trava’. A grande não estava conosco, um morador tinha pego. Eu fiquei pensando e um sentimento veio no meu coração, então mandei buscar a grande. Buscaram e emprestei para o menino. Quando foi de manhã, ele chegou e disse ‘obrigado, mas nem precisou. Minha avó faleceu’’, conta dona Terezinha emocionada. ‘’Se eu não tivesse dado, tinha ficado com aquela revolta no meu coração’’, completa.
O veículo fica disponível para os moradores de todas as localidades da Rocinha, mas com uma ressalva: ‘’tem que trazer!’’, interfere a filha Leda, que se orgulha e tem honra do pai. ‘’Mesmo emprestando para a comunidade, é meu pai quem paga para virem buscar a Samuzinha e carregar quem precisa’’, completa a filha. Nessa dinâmica, cada ‘’motorista’’ ganha de R$10 a R$20. ‘’É uma empresa’’, tira sarro seu Pedro.
Com ânsia de vida e sede de ajudar cada vez mais pessoas, Pedro tem o sonho de fazer mais três Samuzinhas. ‘’Aqui o que não falta é madeira. Preciso fazê-las antes de viajar para aquele endereço, a ‘cidade dos calados’’, brinca ele ao falar sobre o fim da vida. Atualmente, a família Sousa encontra dificuldade para criar os novos veículos, já que existe um custo a mais por conta da compra de latas de tintas especiais para madeiras.

‘’Acho que poderia virar um exemplo e mais pessoas fazerem, já que são coisas boas que precisam ser passadas adiante. Se uma pessoa mais jovem fizer, podemos atingir outros lugares’’, complementa a filha Leda, sobre a continuidade da ação na própria Rocinha e em outros cantos.
E se pretende deixar um legado? Isso ele mesmo trata de falar por si. ‘’Eu espero que lembrem de mim como o homem que fez as cadeiras!’’. O repórter que vos escreve complementa: as cadeiras e um bocado de gente feliz.