
“Era para ser um artigo perfeito, uma análise de ponta, com o distanciamento que só os grandes jornalistas sabem ter. Mas não dá. É impossível. Há quase um mês vivencio o caos, imerso na guerra da Rocinha. Não só eu, mas todos os 70 mil habitantes da comunidade.
Milhares de mensagens atualizam grupos de WhatsApp sobre a movimentação nas ruas e os repentinos toques de recolher. Você sai para o trabalho sem saber se poderá voltar. Quem fica, guarda para si a vontade de ir à rua, de seguir a rotina. O direito de ir e vir é cerceado. Perde-se o direito à segurança – como foram os casos da menina Nicole, de 16 anos, vítima de bala perdida na última sexta, enquanto procurava abrigo em casa com sua mãe, e de Egberto Fernandes, de 23, baleado no ombro no domingo, durante um banho.
Quinhentos e cinquenta policiais atuam, hoje, na Rocinha. Ainda assim, a segurança não existe. Os confrontos continuam, em horários e locais inimagináveis. Crianças não conseguem ir à escola. Os sonhos desenhados com caneta e lápis são congelados. As brincadeiras com as palavras perdem para o aniquilamento de suas oportunidades. É difícil afirmar que existe alguma paz. Neste funk, há espaço para muitas omissões. Do Estado e de nós, quanto sociedade. Dos políticos. De todos. Esse jogo poderia ser revertido, porém essa guerra, ah, não interessa. Quer dizer, interessa quando a Autoestrada Lagoa-Barra é fechada. Vivemos numa cidade mais do que partida, caro mestre Zuenir. E você já havia cantado essa pedra faz tempo.
Seguimos aqui, reféns de canetas, armas e poderes. Enterrando ou prendendo cada vez mais jovens, que serão os verdadeiros protagonistas dessa história. Desperdiçando pessoas. Eu só queria que houvesse calmaria. Não só na Rocinha, mas em todas as favelas e guerras que não noticiamos. Assisto, por aqui, as últimas pela TV, à espera de dias melhores. A esperança é a última que morre, e a minha não esmorece. É pela paz que eu quero seguir, Yuka. E vou. Vamos?”