
A casa da cozinheira Ivanir Mendes dos Santos, de 45 anos, não tem Natal. Desde que seu filho único, Moisés Mendes de Santana, aos 21 anos, foi morto por policiais militares no Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, em outubro de 2016, a noite de celebração deu lugar à solidão:
— Não quero contaminar os outros com a minha tristeza. Só quero ficar sozinha.
Após o assassinato, Ivanir quase se rendeu à depressão. Precisou de acompanhamento psiquiátrico, teve de tomar remédios controlados. Mas, em lugar de sucumbir à dor, procurou, nos ombros de mães com histórias iguais à sua, a força para lutar por justiça e pela memória de seu filho.
Desde o início deste ano, a cozinheira — que se formou em Gastronomia no mesmo ano em que o filho morreu — se juntou a um grupo de 50 mães de vítimas da violência no Rio, que decidiram não descansar até conseguirem respostas sobre os assassinatos de seus filhos.

Nos últimos anos, as mulheres fizeram protestos em frente à Chefia de Polícia, no Ministério Público e no Tribunal de Justiça. E, em 2017, conseguiram mudar o rumo de investigações que estavam engavetadas em delegacias há anos: em abril, o procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem, após reunião com as mães, determinou que todos os inquéritos de seus filhos fossem para o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp). Os crimes começaram a ser denunciados à Justiça neste mês.
O caso do filho de Ivanir segue impune. Segundo sua mãe, Moisés havia ido visitar os filhos, que moravam na favela, quando dois policiais mandaram o jovem parar num beco. Ele não obedeceu o comando e foi baleado na barriga. Hoje, ela vive sozinha e se ampara em mulheres que conhecem bem a sua dor.
— Só quem passou por isso, me entende. Elas me entendem — diz Ivanir, rodeada por outras mães.
‘Sou a voz do meu filho’

Janaína Alves, de 34 anos, nunca vai se esquecer do vazio que sentiu ao ver, no chão, a viseira ensanguentada de seu filho Jhonata Alves, de 16 anos, quando chegou ao Hospital do Andaraí, em julho de 2016. Horas antes, ele havia sido morto por PMs no Borel, onde foi pegar um saco de pipoca para levar para uma festa na escola. Após mais de um ano parado numa delegacia, o caso foi encaminhado ao MP. O primeiro depoimento de Janaína sobre o caso está marcado para janeiro.
— Agora, eu sou a voz do meu filho. Até o último dia da minha vida, vou gritar por ele — diz Janaína.
‘Prefiro ficar sozinha’
Roselene Arouca, de 37 anos, é a mãe que se juntou ao grupo mais recentemente. Seu filho, Caio Eduardo, de 19, foi morto há um mês, na Rocinha, por PMs do Batalhão de Choque — que afirmaram, à Polícia Civil, que o jovem estava armado. Chamada por outras mães moradoras da favela da Zona Sul, Roselene ouviu, no grupo, eco para sua indignação. Em meio à luta para provar a inocência de Caio, a mulher ainda não sabe como será seu Natal.
— Não sei se estou preparada para ficar em frente a toda a família. Prefiro ficar sozinha — conta.
‘Segunda família’

Maria de Fátima dos Santos Silva, de 59 anos, faz uma pausa antes de começar a recordar o dia em que seu filho, Hugo Leonardo dos Santos, de 33, foi morto, em abril de 2012. Não se contém e chora quando fala dos dois tiros de fuzil que ouviu enquanto passava roupa, dentro de casa, na Rocinha. Os disparos foram feitos por policiais, dentro de um beco na favela. Os responsáveis seguem sem punição, cinco anos após o crime. Fatinha, como é conhecida na favela, entrou em depressão e parou de trabalhar. Encontrou, nas outras mães, força para seguir em frente. Hoje, é presença certa em todos os protestos.
— Elas são minha segunda família — diz.
‘Eu me vi nelas’
Os policiais que mataram o filho de Glaucia do

s Santos, de 41 anos, logo após a virada do ano de 2014, já foram denunciados à Justiça. Graças a uma imagem de câmera de segurança — que flagrou os dois agentes do 14º BPM (Bangu) atirando em Fabrício dos Santos, de 17, que estava desarmado —, os PMs Paulo Renato do Nascimento Pires e Victor Declie de Souza estão respondendo pelo assassinato. Foi numa das audiências do processo que Glaucia conheceu as mães, que protestavam na frente do fórum, no Centro.
— Estava saindo da audiência e dei de cara com aquelas mães. Eu me vi nelas, me encontrei. Saí correndo para protestar também — conta Glaucia, que, desde então, passa as viradas do ano recolhida, sem festas. Em agosto do ano passado, os dois policiais acusados do assassinato de Fabrício foram pronunciados. O júri ainda não tem data para acontecer.
‘Criamos nossos filhos para serem pessoas boas’

Maria Dalva da Costa, de 64 anos, é uma das mães do grupo que luta por justiça há mais tempo. Seu filho, Thiago da Costa Correia, foi assassinado, aos 19, junto com quatro amigos, por PMs no Borel em 2003. Graças a sua mobilização, à época, o caso foi investigado, e cinco policiais foram denunciados à Justiça pelo crime. Um foi condenado. Hoje, Dalva é uma espécie de matriarca do grupo, que recebe as novas integrantes e as conscientiza da necessidade de lutar contra a impunidade.
— Todas nós criamos nossos filhos com dificuldade, mas com carinho e amor, para que eles virassem pessoas boas. Eles não mereciam morrer só porque eram pobres, negros, moradores de favela — diz Dalva. Todos os PMs acusados do assassinato de Thiago, atualmente, estão soltos.
Matéria de Extra Online clique aqui