Ouvi esta pergunta algumas vezes e, embora eu seja fã de esportes, me questionei: para que servem os Jogos Olímpicos? Na era moderna, a intenção é promover a amizade e a paz entre os povos, com a participação de países de todos os continentes. Mas não sejamos ingênuos, a teoria é uma coisa, a realidade é outra. A cena de políticos se abraçando para comemorar a escolha do Rio como sede das Olimpíadas é muito suspeita, a cidade está repleta de obras e as empreiteiras, grandes financiadoras de campanhas politicas, estão faturando e superfaturando como nunca. O esporte fica em último lugar.
Devido à exposição na grande mídia é comum haver diversas manifestações de todas as espécies, e o Rio tornou-se um possível alvo do grupo terrorista Estado Islâmico. Um atentado, embora trágico, seria apenas mais uma entre as muitas intervenções lamentáveis que a cidade dita maravilhosa sofreu e está sofrendo. Eu poderia ser otimista e supor que os Jogos farão bem à imagem da cidade e do país, mas lembrei que diversas delegações logo na chegada já reclamaram da infraestrutura da Vila Olímpica, que a delegação de basquete da China ficou presa num tiroteio na Linha Vermelha, e que nosso egocêntrico prefeito, além de disfarçar sua incompetência com ironias, teve a cara de pau de carregar a Tocha e quebrar um protocolo vigente desde 1896, que impede chefes de Estado no cargo de tal ato, sendo apenas permitido segurá-la e repassá-la, para que não se misture excessivamente politica e esporte.
Se está ruim para quem mora no asfalto e reclama do congestionamento do trânsito, imagine para quem é pobre e mora na favela. Algumas, como a Vila Autódromo na Barra da Tijuca, foram removidas à força. A Rocinha, por sua vez, padece com a interrupção do PAC, e projetos como o Plano Inclinado, a urbanização do Largo do Boiadeiro e do Valão, sem falar do saneamento básico em diversos pontos da favela, foram relegados a segundo plano em nome dos Jogos Internacionais, que conquistam as manchetes dos jornais e a atenção dos políticos.
As consequências do adiamento dessas obras são desastrosas, mas a qualidade de vida do pobre nunca foi prioridade, basta lembrar que inúmeras cirurgias em hospitais públicos foram adiadas para que haja leitos vagos para uma possível necessidade durante os jogos, sem mencionar os quartos de luxos destinados às autoridades, descobertos pelo Ministério Publico no Hospital Miguel Couto.
Muitos comentam que a UPP vai acabar após as Olimpíadas. Oi? Isso é ruim ou é bom? A verdade é que este projeto já nasceu errado, a polícia de proximidade nunca saiu do papel, o que temos é o de sempre, uma polícia repressora que intimida mais do que protege. O principal problema da favela nunca foi Segurança Pública, na verdade me sinto mais seguro aqui do que em Copacabana ou no Centro da Cidade. A favela não tem plantações de drogas e nem fábricas de armas de fogo. Nós precisamos entrar no planejamento da cidade como parte integrante desta, não apenas em épocas de campanhas politicas.
Depois da ocupação policial em 2011 o que tivemos foi um boom imobiliário, com aumentos surreais nos preços de aluguéis e vendas de casas. Após muita luta, uma das saídas do Metrô recém inaugurado terá o nome da favela, ainda que dividindo o nome com nosso bairro vizinho (Estação São Conrado/Rocinha), mas se você quiser usar este serviço e não tiver ingresso para os jogos terá que aguardar o fim das Olimpíadas e das Paralimpíadas, afinal a prioridade nunca foi nossa.
O verdadeiro legado olímpico seria um(a) medalhista dizer que o verdadeiro espirito olímpico está presente no sangue do povo brasileiro, que o caos que algumas delegações encontraram aqui é uma pequena amostra do que a população das favelas sofre diariamente e, apesar do golpe no governo federal, do descaso dos governos estadual e municipal, a população está sempre animada para receber locais e estrangeiros, celebrando a amizade e a união entre todos os povos. Assim como Jesse Owens, atleta negro norte-americano que ganhou quatro medalhas de ouro olímpicas e constrangeu Adolf Hitler em Berlim, em 1936, seria épico mostrar ao mundo que apesar da crise politica, da corrupção em todas as esferas do governo do Brasil, todos merecem igualdade e respeito, não importando a cor ou o local onde moram.