
Há apenas 60 anos, o mundo assistia à última exposição de um zoológico humano, evento muito popular que marcou boa parte da história colonial da Europa, em países como Inglaterra, França e Alemanha. Esses espetáculos ajudaram a criar uma ideia, que povoa o nosso imaginário ainda hoje, da suposta superioridade dos brancos sobre negros e índios. Eles foram expostos à visitação pública, trancafiados em jaulas e cercados e alimentados como animais pelos visitantes.
O turismo em favelas, frequentemente, é associado a esse tipo de exposição dos safáris humanos — seja pelos moradores que se revoltam por serem “exibidos” como se fossem animais por um turismo invasivo ou por aqueles que apenas gostariam que as favelas fossem riscadas do mapa e não existissem. Em pleno século XXI, o poder público ainda não encontrou — ou não buscou — uma forma de o turismo em favelas servir de instrumento para reduzir a pobreza, como recomenda a ONU.
Esta parcela da cidade que vem sendo escondida pelo turismo dominante, que busca apenas o Rio do cartão-postal, carece mais do que nunca de políticas públicas que invistam em setores da economia solidária e empreendedorismo social. A falta de simples estandes de informação turística, de folhetos e de apoio aos visitantes revela o desinteresse do poder público pelas favelas. Infelizmente, essa ausência de política produz vítimas, como foi o caso da turista espanhola morta com um tiro de fuzil, na Rocinha, por um policial militar, quando saía de um tour na favela.
Por outro lado, também cresce em áreas/cidades no exterior, consideradas nobres, uma aversão ao turista. É a chamada turismofobia, comum em localidades que veem no turismo de massa um sinônimo de estorvo, uma invasão. Nisso, morro e asfalto enfrentam o mesmo incômodo.
Traçados estes dois cenários, temos, na cidade do Rio de Janeiro, um exemplo de favelas com vistas deslumbrantes e histórias culturais marcantes, como a que deu origem ao samba, e deslumbrantes. Outras são escolhidas por astros como Michael Jackson, que imortalizou a favela Santa Marta, atraindo visitantes de forma espontânea desde 1996. Em 2010, a laje foi transformada num espaço público para turistas pelo projeto público de turismo Rio Top Tour, que funcionou até 2013.
O relatório da ONU Habitat e o livro “Planeta favela”, do geógrafo Mike Davis, demonstram que estamos diante de um fenômeno habitacional global, fruto da desigualdade nos países capitalistas. Debater qual o papel do Estado em relação a esses territórios é tarefa urgente. Mais do que nunca, são necessárias políticas públicas de turismo para favelas que atraiam visitantes, tanto quanto são saneamento básico, saúde, educação e segurança.
O poder público, independentemente dos partidos, ou da esfera — federal, estadual ou municipal —, tem hoje um enorme desafio a enfrentar. O turismo é um setor que contribui com 5% do PIB mundial e é responsável por um em cada 12 empregos formais. Temos que fazer a nossa parte e cobrar que os governos acordem para essa realidade.
Mônica Rodrigues é criadora do projeto público de turismo Rio Top Tour (2010)
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